sábado, 8 de janeiro de 2011

Ideias para uma cidade do terceiro milênio (II)

Inicio agradecendo aos leitores que comentaram o post anterior, sobre mobilidade urbana. É bom ver que há pessoas que compartilham de nossas ideias e contribuem para aprimorá-las. Prossigo agora com algumas reflexões sobre a saúde pública para uma capital federal do terceiro milênio.

Fiquei revoltadíssima, ano passado, quando li matéria da CartaCapital informando que alguns governos estaduais foram pegos em auditoria do Ministério da Saúde, que flagrou recursos do SUS, repassados pelo governo federal, aplicados em contas bancárias de Minas Gerais, São Paulo, Brasília e Rio Grande do Sul. Governos demotucanos, que "coincidência"! Vejam o que diz a matéria sobre Brasília:


"O primeiro caso a ser descoberto foi o do Distrito Federal, em março de 2009, graças a uma análise preliminar nas contas do setor de farmácia básica, foco original das auditorias. No DF, havia acúmulo de recursos repassados pelo Ministério da Saúde desde 2006, ainda nas gestões dos governadores Joaquim Roriz, então do PMDB, e Maria de Lourdes Abadia, do PSDB. No governo do DEM, em vez de investir o dinheiro do SUS no sistema de atendimento, o ex-secretário da Saúde local Augusto Carvalho aplicou tudo em Certificados de Depósitos Bancários (CDBs). Em março do ano passado, essa aplicação somava 238,4 milhões de reais. Parte desse dinheiro, segundo investiga o Ministério Público Federal, pode ter sido usada no megaesquema de corrupção que resultou no afastamento e na prisão do governador José Roberto Arruda."

Pois é. Agora leio no Correio Braziliense de ontem que o novo governador do DF negociou com o Ministério da Saúde e, em vez de o governo federal retomar os recursos, deu prazo para que o GDF lhes dê sua verdadeira destinação: melhorar os serviços prestados pelos hospitais públicos de Brasília, nos quais falta de tudo: equipamentos (muitos estão armazenados em suas embalagens há mais de dois anos), médicos, enfermeiros, auxiliares, remédios, leitos, instalações adequadas etc.

O que se deve fazer primeiro é uma compra emergencial de tudo o que falta. Há pouco tempo uma mulher, minha conhecida, relatou-me que não pôde fazer o exame de prevenção contra câncer de útero por falta de - pasmem! - uma espátula para coleta de tecido epitelial. Da mesma forma, nas unidades de saúde, o atendimento odontológico está parado por falta de material. Penso então que há essa situação urgente a ser resolvida, para dar condições mínimas de trabalho às equipes de saúde.

Feito isso, há que se pensar em programas de promoção da saúde da população, pois não há nenhum funcionando. Pelo menos, não oficialmente. Alguns poucos funcionam, muito mais devido à abnegação e ao comprometimento dos profissionais do que por estímulo do poder público. Ou seja, funcionam apesar do poder público...

Daí que acho bom pensar em como deveria ser esse atendimento. E aí, a palavra chave que aparece, de uma prática responsável pela precarização dos serviços públicos em geral, é
terceirização. A primeira coisa a ser feita é extinguir contratos de terceirização dos serviços de saúde, como o escandaloso negócio feito por Augustus Camaleonicus com uma certa Sociedade Real Espanhola, contratada sem licitação para gerir o Hospital de Santa Maria.

Deve-se buscar a descentralização máxima da saúde pública, com a adoção das UPAs, nos moldes propostos pelo governo federal, em todas as regiões do DF. E também dotar os grandes hospitais com recursos para pesquisas que lhes permitam criar centros de excelência em oncologia, transplantes e tratamento de doenças crônicas em geral.

Tudo isso deve ser acompanhado de um processo incessante de profissionalização do atendimento, com investimento na formação e qualificação de profissionais da saúde, com política de pagamento de bons salários para fazer com que médicos, dentistas, enfermeiros, técnicos sintam-se comprometidos com sua nobre missão de cuidar da saúde da população, com salários dignos, compatíveis com a sua função social.

O DF tem orçamento generoso, ou melhor, dois orçamentos: o do Fundo Constitucional e a arrecadação própria de suas receitas como estado e município -
R$ 26,7 bilhões para 2011. É inaceitável que, com toda essa grana, seja mau prestador de serviços públicos, permitindo que os casos de dengue tenham aumentado este ano. E é ainda mais inaceitável que a população mantenha no poder os governantes que desviam recursos, por exemplo, para construção de obras monumentais, como ocorreu para que Brasília tivesse a Ponte JK, cujo nome deveria ser, na verdade, "Ponte dos Remédios" - foram R$ 160 milhões, a preços de 2002, grande parte deles usurpados da saúde pública. Que não voltem mais os rorizes, arrudas e quetais...

Ponte dos Remédios - Brasília - DF

Para finalizar, seguindo a máxima de que "recordar é viver", deixo com vocês um filminho de conhecido programa local de TV, sobre a saúde pública no DF.



quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Ideias para uma cidade do terceiro milênio (I)

Início da segunda década do terceiro milênio. Tento alinhavar algumas sugestões - nenhuma delas original, suponho - para dar início a uma reflexão sobre Brasília, capital de todos os brasileiros, mas também cidade que abriga uma população trabalhadora, originária de todos os cantos do Brasil.

A meu ver, a hora é de aproveitar a alternância de poder, que afastou os políticos de sempre, aqueles que Mino Carta denominou "vanguarda do atraso", para fazer com que Brasília retome os rumos para ela imaginados por Lúcio Costa, tornando-a uma cidade de fato moderna, funcional, acolhedora, monumental e generosa com seus habitantes.

Está sendo muito interessante acompanhar o levantamento dos estragos deixados pelos que sempre espoliaram o Distrito Federal, condenando-o a um subdesenvolvimento vergonhoso, configurando uma vitrine para o Brasil e para o mundo, que constrange seus habitantes e leva a escala baixíssima a auto-estima de seus cidadãos.

Nossa tão diligente imprensa local, que nunca se preocupou em denunciar falcatruas e desmandos dos governos anteriores, agora se desdobra para divulgar o caos generalizado que toma conta dos serviços públicos. Não me iludo com esses órgãos de comunicação: estão todos desesperados em busca de recuperar as "boquinhas" que perderam com o fim dos (des)governos passados.

Mas vamos às idéias - e conto com os comentários dos tão discretos leitores e dos 31 seguidores deste blog para aprimorá-las e ampliá-las:

1) No que diz respeito à mobilidade urbana:

Imaginem Brasília com eficientes meios de transporte de massa (ônibus, metrô, VLP, VLT), interligando todas as cidades-satélites e o Plano Piloto pelo uso de bilhete único. Sem aquele longo tempo de espera nas paradas e mini-estações, homens e mulheres trabalhadoras poderiam se deslocar mais rapidamente e ter mais tempo para curtirem suas casas, seus filhos...


Imaginem um VLP (veículo leve sobre pneus) como esse aí de cima (Zurique), deslizando pelas avenidas W3, integrando-se com outro VLP que descesse o Eixo Monumental até a Rodoviária do Plano Piloto, de onde partiriam ônibus modernos, limpos e confortáveis para as cidades-satélites, como também linhas de metrô, subterrâneas ou de superfície. E tudo isso a preço baixo, porque subsidiado pelos ricos cofres públicos, já que o desvio/sumiço/malversaçao de recursos deixaria de acontecer!

Por que não utilizar a ferrovia que passa pela Cidade Ocidental, Valparaízo etc também para transporte de passageiros, integrando-a com outros meios que possam distribuir essa população para variados destinos?

Para facilitar ainda mais a mobilidade urbana, com meios de transporte que desestimulem o uso de automóveis - lembrem-se: evitar a "paulistanização" do trânsito é essencial! - imaginem quantas ciclovias poderiam ser construídas nesta cidade, que é uma das mais planas do Brasil! Com certeza, há pessoas que prefeririam ir para o trabalho de bicicleta...

Deve-se estimular os empregadores - empresas e órgãos públicos - a manter espaços adequados para os trabalhadores que se locomovem a pé ou de bicicleta, como vestiários com duchas. Já pensaram?

Nesse caso, deveria também haver maciça campanha de educação dos motoristas de automóveis, para que respeitem o ciclista assim como são respeitados os pedestres que atravessam as ruas nas faixas, orgulho civilizador dos brasilienses. Pode ser que os donos daqueles carros enormes, cópias dos SUV americanos, passem a ser mais educados e parem de arremeter suas rodas contra os ciclistas...


Mas temos de lembrar que mobilidade urbana não diz respeito apenas a trânsito de veículos, né? Vale citar aqui algumas práticas que facilitam a mobilidade também de quem anda a pé, ou ainda, de quem necessita usar bengala, muletas ou cadeiras de rodas. Por exemplo: a manutenção adequada das calçadas, das passagens de pedestres, com a eliminação de degraus, o rebaixamento de meios-fios. Além disso, nas regiões de comércio, o espírito de urbanidade deve ser intolerante com quem invade áreas públicas, construindo "puxadinhos" ou expondo mercadorias ao ar livre.


Fica aí a primeira de uma série de possíveis ideias que, melhoradas e colocadas em prática, poderiam transformar Brasília em uma cidade do terceiro milênio.