sábado, 6 de março de 2010

Refletindo em dropes...

Tenho muito para falar sobre a realidade, mas às vezes ela me causa tanto mal-estar que preciso me recolher. Tento me preservar um pouco, nesse processo de reflexão sobre nossa sociedade.

Estou pensando em mudar meu projeto de pesquisa, depois de uma releitura de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda (veja resenha aqui). Em uma contradição aparente, o que me motivou a essa mudança foi sua abordagem dos processos de colonização do Brasil e dos demais países latino-americanos, marcados por profundas diferenças, resultantes essas da crise da cultura ibérica nos séculos XVII e XVIII.

Retomei um ensaio, que assino junto com H. Bastos, na revista Terceira Margem, intitulado "História literária entre acumulação e resíduo: o eixo Graciliano-Rulfo" (clique aqui para ler). Agora penso em examinar a possibilidade de existirem outros eixos, na relação entre escritores brasileiros e peruanos, venezuelanos, argentinos. Penso que é possível descobrir, pela literatura, o que nos separa e o que nos aproxima de nossos irmãos latino-americanos, para além da barreira linguística e da cordilheira dos Andes.

Compartilhamos o destino dos países colonizados, eis aí um ponto que nos aproxima. Espanha e Portugal tiveram ênfases diferentes em seus processos de colonização: povoamento e exploração, respectivamente; eis um ponto que nos diferencia. Mas genocídios, modernização capitalista e repressão a levantes populares são fatores que temos em comum. Concentração da terra e da riqueza, depreciação da cultura popular e imposição da cultura letrada são outros fatores a analisar.

Eleger o corpus das obras para análise entre escritores latino-americanos é um trabalho complexo, para o qual ter clareza do marco teórico é fundamental. Enfim, é o que estou fazendo por agora, é a razão pela qual fiquei sem escrever neste blog tantos dias.

Mas não foi só isso que fiquei fazendo, não. Também tive a companhia das menininhas aqui em casa em quase todas as tardes. Socorro de vó em dias de aperto doméstico, sabem? Bom demais.

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Apertam-me o coração as notícias recorrentes sobre a sucessão de tremores de terra no Chile. Isso parece não ter fim... Como se não bastasse o grande número de mortos, há também os problemas sociais decorrentes da destruição, como o desabastecimento e os saques. Ajuda internacional é bem vinda.

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Leio por aí que o ator Sean Penn foi criticado nos EUA por ter visitado o Haiti logo após o grande terremoto, levando seus dois filhos, de 16 e 18 anos, e algumas mochilas carregadas de dinheiro para doação. Em resposta, desejou que seus críticos tenham "dolorosa morte por cancro retal".

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Leio também que o STF decidiu manter preso o governador afastado do DF, Arruda. Seu advogado queixou-se de que o cliente está encarcerado em uma verdadeira "masmorra", sem direito ao mínimo bem-estar. E fico sabendo que as masmorras de hoje tem ar condicionado, persianas verticais, mesa de trabalho com cadeira giratória, cama e sofá. Veja as fotos aqui.

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Para o senador goiano Demóstenes Torres, do impoluto DEMocratas, a miscigenação dos brancos e negros no Brasil não se deu como resultado do estupro e da violência, mas de uma relação consensual entre o branco livre e a negra escrava, “ainda que sob dominação”. Essa afirmativa arrancou um "ohhhh" de espanto da sonolenta platéia da audiência pública promovida pelo ministro Lewandovski para ouvir a sociedade sobre os programas de cotas nas universidades brasileiras. Eu adorei saber que as escravas faziam sexo de livre e espontânea vontade com seus senhores, só pra pirraçar as sinhás...

segunda-feira, 1 de março de 2010

De terremoto e corrupção

Atualizando as informações da última postagem: passam de 700 os mortos no terremoto do Chile. A origem dos tremores foi localizada a uma profundidade de 54 km e não em torno de 30 km, como havia sido informado nas primeiras horas depois da catástrofe.

Hoje na Falha, ops! Folha de S. Paulo, Clóvis Rossi faz análise semelhante à minha, ressaltando a ausência do poder público no Haiti após a tragédia. Aliás, esse poder público já era praticamente ausente de fato, antes do grande abalo sísmico, e por isso o país se configura mais como um aglomerado de gente do que como uma nação. Daí o título da matéria: "Um país resiste melhor do que um aglomerado".

Analisando essas últimas informações, é possível supor que as consequências do terremoto no Chile só não atingiram as mesmas proporções do Haiti por causa da profundidade das placas tectônicas em movimentação. E também por causa da legislação da construção civil, que resulta em construções mais resistentes aos abalos sísmicos.

É como diz o Clóvis Rossi: "É cruel, mas é um fato: em qualquer desastre natural, os mais pobres são sempre as maiores vítimas. E não há, nas Américas, maior número de pobres, em relação à população, do que no Haiti."

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Hoje, ao ler notícia da mesma Falha, ops!, Folha de S. Paulo sobre o detento governador licenciado Arruda - que disparou ameaças a seus ex-correligionários, usando como moleque de recados o secretário Alberto Fraga -, constatei que o jornal anda promovendo a mudança de classe gramatical da palavra "supostamente".

Na verdade, a matéria é sobre a intenção do deputado Fraga de se candidatar a governador do DF nas próximas eleições. Deus nos acuda! Ele liderou a campanha do "Não" quando houve o referendo nacional, em 2005, sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições. É um dos membros da chamada "bancada da bala" no Congresso Nacional, grupo de parlamentares que defende os interesses dos fabricantes de armas e munições, cujas campanhas foram financiadas por esse segmento industrial. Se chegar a governador, sua perspectiva de governo será, sem dúvida, pelo prisma da segurança pública, no que esse tema suscita de mais reacionário. E o deputado ainda coloca seu palanque à disposição de José Serra, provável (?) candidato do PSDB à presidência da república.

Mas, voltando ao uso das palavras "suposto/a" e "supostamente", é interessante notar como a mídia se acautela ao noticiar a corrupção de seus aliados. Na matéria citada, aparece o seguinte trecho, sobre o deputado distrital Júnior Brunelli:
"Ele aparece num dos vídeos de Durval recebendo
supostamente propina."

Sobre outro corrupto, Geraldo Naves, preso na Papuda:
" Naves está preso, acusado de ser um dos intermediários da
suposta tentativa de suborno a uma das testemunhas do escândalo."

Sobre a deputada Eurides Brito:
"... a Câmara Legislativa deverá se concentrar nos processos contra a deputada Eurides Brito (PMDB), flagrada recebendo
supostamente propina de Durval, e no de Arruda."

E o Correio Braziliense, então? Vejam só:
"As gravações entregues por Durval ao Ministério Público revelaram ainda personagens que só atuavam nos bastidores, como o policial aposentado Marcelo Toledo e o empresário Renato Malcotti, apontados como operadores dos
supostos esquemas de corrupção do Executivo."

"Enrolado em denúncias de corrupção, pagamento de propina, desvios de recursos,
suposto suborno e falsidade ideológica, o governador — que nas últimas eleições venceu no primeiro turno — não será aceito em nenhum palanque de candidatos. Neste momento, está liquidado politicamente."

Usando as palavras com toda essa cautela, a mídia parece acreditar que um dia a situação em que se encontra Arruda pode ser revertida, ele poderá voltar triunfante ao poder e poderá ser exaltado como exemplo de administrador público!