sábado, 13 de fevereiro de 2010

No happy end

Escrevo sob o impacto do filme Garage Olimpo (2008. Itália/Argentina. Direção: Marco Bechis. Com Antonela Costa, Carlos Echeverria, Pablo Razuk, Dominique Sanda).

Eis a sinopse:

"Argentina na época da Ditadura. Maria, jovem professora e militante de esquerda é sequestrada por um esquadrão militar e mantida sob tortura, de olhos vendados em uma velha garagem. Ela é entregue a um dos “melhores” homens do lugar: Felix, um agente secreto da polícia que leva uma vida dupla, como torturador de prisioneiros e um dedicado cidadão. Então para garantir sua vida, Maria entra no jogo do torturador."

Faltou dizer que Maria não consegue salvar sua vida e é, juntamente com outros militantes que lutam por democracia, dopada e jogada viva ao mar, de um avião cargueiro.

É um filme tenso, que não dá descanso ao expectador. A câmera é ágil, com forte tendência ao documentário. O tempo, embora longo na duração da história, é trabalhado com trilha sonora que marca a intensidade dos minutos vividos pelos personagens. As imagens são fortes, condensando a brutalidade das ditaduras:


É um bom filme, que não nos oferece juízos de valor das personagens: mostra o absurdo da repressão e a insensatez da relação entre torturador e torturado. À sua câmera arguta não escapa sequer o drama das crianças sequestradas pelos agentes da repressão.

Enfim, depois de vê-lo, renova-se a indignação que não nos abandona enquanto não houver o tão esperado ajuste de contas com o período da ditadura empresarial-militar. Lá, mas principalmente aqui.

Sem esse acerto não adianta esperar por um happy end.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Carnaval!!!

Este, sem dúvida, vai ser o carnaval mais feliz, de todos os que já passei em Brasília. E olhe que nem sou foliã, mas sei dar uns pulinhos...

Domingo e terça-feira são dias de Pacotão - Sociedade Armorial Patafísica Rusticana - tradicional bloco de rua, que sempre traz marchinhas satirizando a política local. Desta vez, a "homenageada" é a deputada distrital Eurides Brito, pedagoga, ex-secretária de educação, flagrada pela câmara secreta do Durval Barbosa quando enchia a bolsa com maços de dinheiro.

E o título da marchinha deste ano é "O bolsetão da Dona Eurides". Confiram:



Uma letra simples que, com toda a irreverência e duplo sentido característicos do carnaval de rua, vai grudar como chiclete na memória. Vai ser o refrão mais repetido deste ano.

Como disse, não sou foliã. Vou aproveitar esses dias para ver filmes, ouvir música e testar as receitas tradicionais da cidade de Matélica, na Itália. Recebi da Comuna (Prefeitura) de lá um lindo e bem-acabado livro ensinando a fazer pratos deliciosos. Depois conto aqui um pouco dessas experiências.

Por hoje, é só. Pra quem pula e brinca o carnaval, diversão! Pra quem não pula nem brinca, sossego! Até...

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Dia de festa

Hoje foi, finalmente, decretada pela Justiça a prisão do governador do DF, José Roberto Arruda. Mas isso não basta. É preciso impedir o vice-governador, Paulo Octávio, de assumir o cargo, já que está também envolvido no esquema criminoso do DEM. É preciso também afastar, se possível com prisão preventiva, os deputados distritais e demais ocupantes de cargos públicos envolvidos na quadrilha. Só assim se terá a garantia de que não agirão para obstruir as investigações, coagindo e/ou subornando testemunhas.

* * *

Aquela caixa de foguetes que fica guardada em um canto qualquer foi desfalcada hoje. Morreu Armando Falcão, ministro da justiça do governo do general Ernesto Geisel, durante a ditadura empresarial-militar que vigorou no Brasil de 1964 a 1985. Seu bordão como ministro era "nada a declarar". Típico de um democrata, não?

Casa de vó

Todas as crianças deveriam poder exercer a liberdade de serem crianças, fase que é vivida, na nossa sociedade, somente até o momento em que são levadas à escola pela primeira vez.

Digo isso porque há crianças que, antes de irem à escola e mesmo depois que atingem a idade escolar, são vítimas da necessidade que as obriga a trabalhar. Essas não podem, definitiva e irreversivelmente, exercer a liberdade de serem crianças, que lhes é inerente. Ela lhes é sonegada enquanto vivem a vida que lhes é permitido viver, em seu universo regido pelo signo da pobreza.

Cartaz do Ministério do Trabalho, da campanha contra o trabalho infantil

Se todas as crianças tivessem assegurados os direitos a uma vida plena, seria encantador ver em todas elas o exercício da liberdade. Esse encantamento, provavelmente, duraria apenas até o momento em que seu comportamento começa a ser moldado para que se transformem em cidadãos. É assim que a mídia denomina os consumidores de hoje e é nisso que serão transformadas as crianças após passarem pelo aparelho ideológico da escola: bons consumidores, bons leitores de rótulos.

Na escola elas aprendem a ler, a escrever e a fazer contas. Começam a conhecer o funcionamento do mundo, da natureza, da sociedade em que vivem. São, também, adestradas para se enquadrarem perfeitamente nos papéis que essa sociedade lhes reserva.


Enquadrar. Essa é a palavra para designar a função preponderante das instituições que frequentamos durante a vida. Na sociedade produtora de mercadorias, como a nossa, essa função é uma das que integram o processo pelo qual nos transformamos em coisas. E, como coisas, valemos tanto quanto somos capazes de consumir. Quanto mais temos, mais valemos. Assim somos vistos nas instituições que presidem nossas vidas: na escola, no trabalho, no culto religioso, no condomínio, na academia de ginástica, no trânsito...

Ainda bem que a educação tem dois gumes: ao mesmo tempo em que aliena e enquadra, pode fazer germinar, pelo conhecimento, a emancipação. Por isso nem sempre a escola, por si só, é eficaz para alienar. Ela pode ser, também, espaço para questionar a própria educação e a sociedade. É o que aprendemos com Paulo Freire.

Enquanto essas idéias me ocorrem, aguardo o momento em que acenarei para minha neta, que me vê à janela do apartamento, enquanto brinca no parquinho do jardim de infância. Ao me ver, lá de dentro do espaço escolar, ela sabe que aqui é um lugar onde pode exercer sua liberdade.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Terceirização.

Vocês já perceberam como se tornou comum a terceirização no nosso cotidiano? Explico: muitas pessoas preferem delegar a outras pessoas ou instituições as tarefas implicadas na educação dos filhos. Há coisas que devem ser ensinadas em casa e há outras que devem ser ensinadas na escola, não? O problema é que muitos pais e mães transferem para a escola a responsabilidade de ensinar conteúdos que deveriam se restringir à convivência da família.

Um exemplo disso é o ensino religioso. A Constituição Brasileira de 1988 extinguiu a obrigatoriedade de matrícula do aluno nessa matéria, que passou a ser facultativa. Minhas filhas, que estudaram em escola pública em Brasília, não tiveram ensino religioso. Não foi fácil convencer a direção da escola a se programar para que elas tivessem outra atividade durante a aula de religião. No início, elas eram colocadas em uma biblioteca quente e desconfortável, onde ficavam ouvindo sermão da bibliotecária, que as ameaçava com o fogo do inferno por serem pessoas sem religião. Apenas depois de algumas brigas é que as meninas puderam exercer seu direito de não-exposição a uma crença no espaço educacional.

Costumo dizer que as pessoas sem religião são alvo de intolerância maior do que as que professam alguma crença. Na escola, as meninas eram frequentemente questionadas pelos adultos, que achavam impossível alguém viver bem sem ter uma religião. Aprenderam cedo a dar as respostas que afastassem os xeretas de plantão: religião precisa de fé e fé é um sentimento íntimo, por isso deve ser tratada em casa e não na escola, que é um lugar para adquirir conhecimento das ciências, das linguagens e da natureza.

Bem, essa briga foi nos anos 80 do século passado. E não é que descubro hoje, em pleno século XXI, que as escolas da rede pública de Brasília ainda colocam os pequeninos do jardim de infância para rezar, três a quatro vezes por turno?

Pois é. De acordo com o que diz a Constituição Brasileira, em seu artigo 210, parágrafo 1°: "O ensino religioso,
de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental." (Se quiser ler a carta magna, clique aqui e se espante com a quantidade de emendas que ela já recebeu!)

Raciocínio dedutivo: a educação pública é aquela ofertada pelo Estado; o Estado brasileiro é laico (ou seja, livre de vinculações a uma religião específica); logo, a educação pública deve ser laica. Portanto, como a matrícula é facultativa, se algum pai ou mãe informar à escola seu desejo de que o filho não receba ensino religioso, há que se respeitar esse desejo. Isso sem contar a enorme diversidade de religiões professadas no Brasil e que são desrespeitadas quando o educador impõe apenas uma forma de se "religar com Deus". Vejam algumas fotos e imaginem como seria lidar com essas formas religiosas nas escolas:


O problema é que muitos pais e mães acham bom que o filho aprenda religião na escola. Isso lhes poupa o trabalho de desenvolver com eles a autêntica fé religiosa, dentro de casa e frequentando o culto religioso que escolheram. E o direito das outras crianças, cujos pais não possuem e não querem que os filhos tenham religião?

O direito? Ora, o direito...

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Sob o céu de Brasília

Aconteceu hoje uma manifestação pelo afastamento do governador Arruda e sua quadrilha, que reuniu bastante gente no eixão de Brasília. O programa da manhã de domingo foi participar da ato público, que mesclou protesto político com a tradicional irreverência do carnaval.

As pessoas foram chegando espontaneamente, com ou sem bandeiras vermelhas, brancas, amarelas. Havia cartazes feitos a mão, em casa. Também camisetas estampadas a mão, com figuras e dizeres contra a quadrilha de políticos do DF. Havia um grupo de estudantes batendo ritmadamente em latas vazias.


À frente de tudo, o caminhão do som, tocando músicas que parodiam os acontecimentos recentes do DF. Consegui subir alguns degraus dele, para fazer esta foto:


Um dado interessante: a polícia seguiu os manifestantes durante todo o tempo. Não era necessário, pois o trânsito no eixão, aos domingos, é suspenso. E não eram poucos policiais, em motos, carrões e microônibus. Vejam:

Algumas horas depois, no sítio do Correio Braziliense, havia a notícia de que tudo fora apenas o lançamento de um bloco carnavalesco:

"Lançamento do bloco de carnaval Fora Arruda reúne 500 pessoas na Asa Sul

Danielle Santos

Publicação: 07/02/2010 12:43 Atualização: 07/02/2010 12:53

Cerca de 500 pessoas participam do pré-lançamento do bloco de carnaval Fora Arruda na manhã deste domingo (7/2). A manifestação começou por volta das 10h, na altura da 102 sul, e seguiu para a quadra comercial da 109/110, onde o trânsito está bloqueado.

Os manifestantes cantam marchinhas e dançam ao som da bateria da escola de samba Acadêmicos da Asa Norte. Participam estudantes, famílias com crianças e idosos, além de movimentos sociais com a CUT-DF e políticos, como Reguffe (PDF) e Arlete Sampaio (PT).

A mobilização será encerrada com o lançamento do bloco dos trabalhadores, da CUT-DF. Os manifestantes pretendem ficar no local até cerca de 13h30. Segundo a Polícia Militar, não há registro de ocorrências até o momento."


Impressionante, não? É a velha mídia, trabalhando para ocultar a verdade: o movimento pela saída de Arruda e toda a sua quadrilha, de preferência algemados no camburão, cresce a cada dia. Ou melhor, a cada nova notícia dos atos de bandidagem praticados pelo grupo. Um dos últimos, o da tentativa de suborno de uma testemunha - o jornalista Sombra - seria, por si só, suficiente para decretar a prisão preventiva de todo o bando, junto com a indisponibilidade dos bens. Se continuarem soltos e podendo usar tudo o que roubaram nesses anos todos, vão, sem dúvida, continuar obstruindo os trabalhos de investigação.

Aguardemos a próxima semana, que os acontecimentos prometem...