sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Uma "frase infeliz"

O apresentador do Jornal da Band, Boris Casoy, foi pego pela armadilha do microfone aberto. O jornal passava a vinheta, após uma chamada para a notícia da mega-sena de fim-de-ano, depois de mostrar dois garis desejando feliz ano novo. Boris, então, comentou com sua colega apresentadora:

- "Que merda, dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas vassouras. Dois lixeiros. O mais baixo da escala do trabalho." (Clique aqui para ver o video)

Nesse momento, uma voz avisa: "Deu pau, deu pau. Tá no ar."

Chocante? Para alguns deve ter sido. Mas não para mim, que conheço o caráter do jornalista desde os tempos da ditadura militar, laboriosamente escondido atrás dos bordões que criou como apresentador de jornal: "Isso é uma vergonha" e "É preciso passar o Brasil a limpo".

Essas expressões sempre me pareceram frases de efeito, usadas por moralistas para induzir o interlocutor no julgamento de alguma questão ou fato jornalístico. Quem as usa sabe que precisa ter comportamento irrepreensível, não tem direito sequer a um escorregão verbal que denuncie o mínimo preconceito em relação a qualquer tipo de pessoa.

Ora, o que Boris Casoy fez foi revelar seu preconceito de classe, desqualificando o trabalho digno de dois garis no último dia do ano passado, quando todos se preparam para comemorar a chegada do futuro, com toda a esperança que carregam em suas almas e corpos cansados do trabalho pesado.

Deve ter chovido mensagens de protestos na redação da Band, porque hoje ele pediu desculpas, ao vivo e em cores:

- "Ontem eu disse aqui uma frase infeliz, que ofendeu os garis. Peço profundas desculpas aos garis, ao telespectador e à Rede Bandeirantes."

Só isso. Acabo de presenciar a cena. E saio da sala para escrever este post, com a certeza de que todo moralista é, no fundo, um imoral.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Feliz 2010!!!

Receita de ano novo


(Carlos Drummond de Andrade)


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


"Anistia não é amnésia."

A disputa política continua. Deu no blog do Azenha:

OAB critica Jobim por reagir à criação de comissão para investigar ditadura militar

por Luciana Lima, repórter da Agência Brasil

Brasília - “Anistia não é amnésia”, disse hoje (30) o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, ao criticar as o que chamou de “pressão” do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e de comandantes militares contra a criação da Comissão da Verdade, prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos.

"O Brasil não pode se acovardar e querer esconder a verdade. Anistia não é amnésia. É preciso conhecer a história para corrigir erros e ressaltar acertos. O povo que não conhece seu passado, a sua história, certamente pode voltar a viver tempos tenebrosos e de triste memória como tempos idos e não muito distantes", declarou Britto.

A criação de uma comissão especial para investigar torturas e desaparecimentos ocorridos durante a ditadura militar (1964-1985) causou divergência entre o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, órgão responsável pela elaboração do programa, e o ministro da Defesa. Nelson Jobim. Para Jobim e para os militares, a comissão especial teria o objetivo de revogar a Lei de Anistia de 1979.

"Um país que se acovarda diante de sua própria história não pode ser levado a sério. O direito à verdade e à memória garantido pela Constituição não pode ser revogado por pressões ocultas ou daqueles que estão comprometidos com o passado que não se quer ver revelado", disse Britto."O Brasil que está no Haiti defendendo a democracia naquela país não pode ser o país que aqui se acovarda".

A OAB defende no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal Militar (STM) ações reivindicando a abertura dos arquivos da ditadura e a punição aos torturadores. Já o ministro Jobim disse que a busca pela verdade não pode significar “revanchismo”.

Hoje, o Ministério da Defesa e a Secretaria de Direitos Humanos informaram que os ministros não pretendem falar sobre o assunto nem divulgariam notas a seu respeito.

Já passa da hora!!!!

O Brasil, diferentemente da Argentina e do Chile, ainda não começou a passar a limpo o período da ditadura militar. Ainda não responsabilizou lideranças militares e civis pelo golpe empresarial-militar que se abateu sobre o país em 1º de abril de 1964. Ainda não recontou a história oficial pela ótica das famílias que perderam seus filhos na luta contra o arbítrio e o autoritarismo. Ainda não puniu os torturadores e assassinos que, em nome do combate ao comunismo, trucidaram homens e mulheres que lutavam pela democracia.
E quando surge qualquer iniciativa para dar início a esse ajuste de contas, as reações são iradas e irracionais. Os apoiadores da ditadura estão ainda hoje na ativa, no Congresso Nacional, no Executivo e no Judiciário. É preciso tornar público o passado daqueles que se beneficiaram do regime, denunciá-los como cúmplices de crime de lesa-humanidade, que é imprescritível.
Fiquemos atentos, porque deu na Folha de São Paulo de hoje:

Contra "Comissão da Verdade", comandantes ameaçam sair

Exército e Aeronáutica dizem que plano para apurar tortura na ditadura é revanchista

Secretário de Direitos Humanos também diz que se demite se houver recuo; Lula deve deixar decisão de impasse para volta de férias

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
SIMONE IGLESIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os comandantes do Exército, general Enzo Martins Peri, e da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, ameaçaram pedir demissão caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não revogue alguns trechos do Plano Nacional de Direitos Humanos 3, que cria a "Comissão da Verdade" para apurar torturas e desaparecimentos durante o regime militar (1964-1985).
Em reunião com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, no dia 23, às vésperas do Natal, os dois classificaram o documento como "excessivamente insultuoso, agressivo e revanchista" às Forças Armadas e disseram que os seus comandados se sentiram diretamente ofendidos. O comandante da Marinha, Júlio Soares de Moura Neto, não estava em Brasília.
Jobim disse que não tinha sido consultado sobre os termos do plano, que não concordava com tentativas de revanchismo e que iria falar com Lula a respeito. Com isso, acabou colocando o presidente entre dois polos de pressão: os militares, de um lado, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, do outro.
Lula embarca hoje para a folga de fim de ano na Bahia procurando uma solução de contemporização. Os militares se contentariam com mudanças no texto, mas Vannuchi está irredutível e também ameaça sair do governo caso haja recuo.
Até ontem, a opção de Lula para minimizar a crise era uma saída de meio termo: não mexer no texto, mas orientar as comissões técnicas encarregadas de executá-lo a ignorar na prática os pontos mais críticos.
À Folha, um alto funcionário civil disse que a "tensão está fortíssima". Esse clima ficou evidente na cerimônia que Lula presidiu anteontem, no CCBB, para sancionar a nova lei de cargos e salários dos taifeiros da Aeronáutica, na presença de Saito, que conversou à parte com o presidente.
Convidado por Lula, Jobim disse que não poderia comparecer à cerimônia porque estaria fora de Brasília. Quem acabou aparecendo, para um evento da Funai, foi Tarso Genro. Também conversou reservadamente com o presidente.
Vannuchi está no olho do furacão: ele tinha despacho com o presidente às 18h do mesmo dia, mas o encontro foi adiado de última hora para ontem e, no final, acabou não acontecendo, o que aumentou a suspeita de que ele também tenha colocado o cargo à disposição.
Lula conversou com Vannuchi por telefone e lhe falou sobre a "fórmula de conciliação", mas o desfecho ficará para a volta de Lula, em 11 de janeiro.
O foco da crise é o sexto capítulo do Plano de Direitos Humanos, anunciado por Lula no dia 21 e publicado no "Diário Oficial" da União, no dia seguinte, com 180 páginas.
O capítulo se chama "Eixo Orientador 6: Direito à Memória e à Verdade". Duas propostas deixaram a área militar particularmente irritada: identificar e tornar públicas as "estruturas" utilizadas para violações de direitos humanos durante a ditadura e criar uma legislação nacional proibindo que ruas, praças, monumentos e estádios tenham nomes de pessoas que praticaram crimes na ditadura.
Na leitura dos militares, isso significa que o governo do PT, formado por muitos personagens que atuaram "do outro lado" no regime militar, está querendo jogar a opinião pública contra as Forças Armadas.
Imaginam que o resultado dessas propostas seja a depredação ou até a invasão de instalações militares que supostamente tenham abrigado atos de tortura e não admitem o constrangimento da retirada de nomes de altos oficiais de avenidas pelo país afora.
Em Brasília, por exemplo, há a ponte Costa e Silva e o Ginásio Presidente Médici -ambos presidentes no regime militar.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A culpa é do Fidel!

Assisti ontem a um filme que já não deve ser novidade para muita gente, pois foi lançado em 2006. Trata-se de A culpa é do Fidel (La faute à Fidel - França, 2006 - Direção: Julie Gavras - 95 min - Elenco: Nina Kervel-Bey, Julie Depardieu e Stefano Accorsi).


A diretora, Julie Gavras, é filha do cineasta grego Costa-Gavras e conduz, com humor e sensibilidade, a história que se narra na tela. Trata-se de uma menina de 9 anos, que nos anos de 1970 vive uma transformação radical em seu cotidiano e em sua maneira de ver o mundo, a partir da adesão dos pais ao comunismo, com toda a militância que isso implicava naquela época.
Anna de la Mesa é a garota cujo mundo organizado - casa boa e bonita, com jardim; escola católica; avós donos de terra que produz vinho - vem abaixo quando os pais assumem a militância, passando meses fora de casa, quando abraçam o sonho do socialismo e resolvem apoiar a eleição de Salvador Allende no Chile. É uma menina inteligente, reflexiva e questionadora, que cumpre uma trajetória de amadurecimento e renova sua compreensão de mundo, ao mesmo tempo em que lida com sentimentos de abandono e de perda da vida estável e sem sobressaltos que levava antes. Isso produz cenas excelentes, como aquela em que Anna discute com os camaradas do pai, um bando de "barbudos e vermelhos", como ensinara a ela a empregada que fugira de Cuba: todos com objetivo de espalhar o comunismo pelo mundo, influenciados pelo demônio que era Fidel.

Julie Gavras imprime a perspectiva da garota de 9 anos à câmera. Tudo é visto a partir do seu ângulo de visão: na passeata, onde Anna vai aprender sua "lição de solidariedade", o que as lentes mostram é apenas parte das pessoas que se aglomeram na rua, de pernas que correm, da fumaça que sobe do asfalto quando se ouvem explosões de bombas de efeito moral. É o olhar da menina recolhendo fragmentos da realidade, aquilo que lhe é permitido ver pelos olhos da infância.
Se você vai curtir preguiça no feriadão de fim-de-ano, é uma boa pedida para aquele dia chuvoso.